terça-feira, 7 de setembro de 2010

Não sabemos namorar...

Agora dei para mascar chiclete com sabor melancia. Deveria esconder esse detalhe.Mórbido para quem atravessou os 36 anos.Mas vejo o quanto escondo o romantismo debaixo da mordida. Sou açucarado.Meu beijo é diabético. Logo eu que passo uma imagem seca de bolacha de sal.Vá lá, não vou sorrir para mim de noite ou pedir a benção para os apaixonados,mas não acredito nesta história de acomodação no romance.Que de uma hora para outra cansamos.Não é cansaço, não é que paramos de seduzir porque conquistamos e que não precisamos mais arrebatar com surpresas.Não é que estamos seguros e não arriscamos mais.Não é o conforto ou o domínio territorial.Senão começaremos a acreditar que existe cupido.E cupido é o mais cafona dos anjos.Quem começa uma relação com cupido termina na fossa repetindo os erros ortográficos das canções sertanejas.Confio que há gente que não saiba namorar. Não sabe namorar, e pronto.Supõe que é instintivo, natural, que é beijar, abraçar e os oceanos transportam a espuma.Que basta amar e as relações funcionam. Mas as relações queimam pelo pouco uso.A eletricidade enferruja.Há gente que jura que namorar é cumprir um expediente depois do expediente: jantar, conversar e transar.Há gente que não quer namorar,e sim uma amizade para dividir o que se é. Sem tensão. Sem cobrança. Sem nervosismo.Que tudo está definido e seguro para o final do ano,que não pode ser perdido no próximo minuto.Eu acabei de perder o próximo minuto. Namoro é ambição.É um final de semana a cada dia. É uma delicadeza insuportável,antecipar os movimentos e agradar quando não se espera.Gentileza em cima de gentileza, infindável.Um cuidado para não magoar com aviso e pergunta,com aquela educação concedida a gestantes e idosos.Namorar requer uma atenção absoluta.E não reclame: amar pode ser para toda a vida quando oferecemos toda a nossa vida.Tem que se preparar, ceder, abrir espaço, oferecer, renunciar.A inquietação nasce da paciência. A criatividade nasce de uma porta fechada.É um extremismo terrorista. Explodiremos civis.Durante algum desentendimento, mobiliza-se a genealogia da imaginação para escandalizar de novo. Carro de som, helicóptero, arranjos suicidas pela janela. Não é permitido ficar quieto, parado, para conversar a respeito. A conversa demora.No namoro, não existe como ser egoísta. Egoísmo se deixa no JK.É pensar pelo outro, com o outro, como o outro.É ter uma lista de compra de mercado na ponta da língua, junto com o chiclete de melancia: qual a pasta de dente que ela usa, o xampu, o condicionador, o azeite, o leite que toma, o suco... Desconhecer a geladeira da namorada é passagem direta para o congelador. É entrar numa livraria e pensar no livro que ela vai gostar, é entrar numa loja e pensar um vaso que combinaria com sua sala, é entrar no cemitério e sonhar com um mausoléu para a família, sim, planejar a morte junto - nada mais romântico.É entrar em si mesmo e lustrar as memórias mais distantespara parecer orfão antes de sua chegada. Agora dei para mascar a minha boca.


Fabricio Carpinejar*

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